Reportagem reconstitui os passos de Mauro Hoffmann, um dos sócios da boate Kiss, desde o dia do incêndio

O telefone toca às 3h. Mauro Londero Hoffmann, o Maurinho, leva alguns segundos para entender a gritaria do sócio, Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, do outro lado da linha.
_ É incêndio, cara, incêndio na Kiss _ repete Kiko, aos berros.

Maurinho pensa tratar-se de um curto-circuito. Chega à boate em 15 minutos. E o que vê é assustador. Da única porta, a danceteria cospe fumaça preta. Jovens são arrastados para fora desacordados. Sirenes. Correria. Gritos.
Maurinho não entra. Ajuda como pode, do lado de fora.

Às 6h30min, com medo de se tornar alvo da revolta de familiares e amigos das vítimas, deixa o local. Vai à casa do pai de Kiko e depois encontra-se com o sócio, que já havia procurado a polícia. Ambos assistem juntos às notícias da tragédia, ao vivo na TV, atônitos.
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Horas mais tarde, Kiko é internado no Hospital Santa Lúcia, em Cruz Alta. Fica sob custódia da polícia e longe da ira da cidade até se recuperar do baque. Maurinho sai de circulação por um dia.

O rei da noite
Aos 47 anos, até então bem-sucedido e invejado por amigos e inimigos, o empreendedor é conhecido em Santa Maria como o "rei da noite". Está no ramo há duas décadas. Seu império começa a ser erguido em 1989, com a inauguração da antiga boate Grafiku's. A primeira de muitas.

A mais conhecida ganha o nome de Absinto, bebida destilada à base de ervas que Maurinho provara em Portugal no início dos anos 80. Surge em 1999 como um bar de sinuca no Centro e, em cinco anos, transforma-se em um point badalado no Monet Plaza Shopping. Na madrugada do dia 27 está fechada, em recesso. É definitivamente sepultada. Não há clima para reabrir e mantê-la em funcionamento.

Maurinho e a Kiss
A história de Maurinho com a Kiss tem início quando a Absinto completa 12 anos. Em 2011, a Kiss começa a chamar a atenção. Com as portas abertas desde 2009, ganha fama e espaço, atraindo um público cada vez mais jovem, formado principalmente por universitários. Está sempre cheia. Em setembro daquele ano, de olho no sucesso da concorrente, ele procura Kiko e faz uma proposta. Adquire 50% do negócio por R$ 500 mil _ sendo R$ 200 mil à vista. Os outros 50% ficam no nome da irmã de Kiko, Ângela Callegaro, seu braço direito. O negócio concretiza-se em 2012.

Amigos dizem que Maurinho faz a oferta porque quer ajudar Kiko, que estaria em dificuldades financeiras. Músico, vocalista da banda Projeto Pantana, mais jovem e inexperiente, Kiko é o sonhador da dupla.
Inimigos sustentam uma outra versão: como não consegue quebrar a Kiss, Maurinho decide comprá-la. Dá certo, até a madrugada do incêndio, quando vê seu império desabar.

A prisão
O sumiço depois da tragédia termina às 14h20min do dia 28 de janeiro. Enquanto a imprensa em peso faz plantão em frente à 1ª Delegacia de Polícia, onde se concentram as investigações, o empresário aparece na Delegacia Regional, um prédio discreto perto do calçadão.

Sai do carro de calça jeans, camiseta preta e óculos escuros. Apenas um fotógrafo está presente. Maurinho não impede as imagens nem esconde o rosto. Entra no prédio em silêncio, cabeça erguida. Presta depoimento por três horas e meia e responde a todas as perguntas da delegada Luiza Santos Souza com firmeza.

Durante todo o tempo, mantém o controle emocional. Não é afeito a arroubos. Racionalidade e frieza são suas marcas, especialmente em assuntos envolvendo os negócios. Exime-se de qualquer responsabilidade. Reitera que sua relação com a Kiss é estritamente "financeira" e define-se como um mero "parceiro comercial". Embora se beneficie dos lucros, nega ter participação na administração.

_ Não tenho parte nisso. Não contratava e nem demitia pessoas. Não tinha poder gerencial, era apenas sócio financeiro _ declara.

Com mandado de prisão temporária decretado, Maurinho sai da delegacia direto para a Penitenciária Estadual de Santa Maria. Sem a"